O jeito sambarróque de dançar - Parte 2
Abaixo a segunda parte do texto escrito por Maíra Spanghero. Agora ela descreve a dança detalhando o comportamento entre o homem e a mulher durante os nós que vão surgindo. Confira:
No embalo do sambalanço
Rodopiar, girar e enlaçar são os verbos do samba-rock. Quem vê, fica admirado com o crochê de braços que se cruzam e torcem, sem interrupção, até o fim da música. Parecem dar nó. Contudo, essa linguagem codificada, nem sempre foi assim. De acordo com Hits, “antigamente rock era rock, samba era samba. Dançava-se a dois, caidinho como na gafieira. O rock´n´roll era dançado trançando os braços. O negro de São Paulo criou o samba-rock por causa da música de Bill Halley, Rock Around the Clock, tocada em ritmo de samba. Em 1958, o maestro brasileiro Valdir Calmon fez esse arranjo. No dia em que ele tocou essa versão pela primeira vez, o público dançante ficou confuso, não sabia se dançava rock ou samba. Então, começaram a se mexer de outro jeito. Eles criaram um swing nos pés, enquanto trançavam os braços como no rock“.
Bom dançador do assunto que é, Vagner Rodrigues explica que “o giro do rock entrou no samba e os dançarinos, ao invés de permanecerem agarrados durante a dança, se afastaram, liberando espaço entre eles, mas mantendo conexão através das mãos. Essa postura deu ao corpo a possibilidade de girar. Ao longo do tempo, o giro se transformou em rodopio (quando o corpo gira e, ao mesmo tempo, se desloca lateralmente)”. O compasso é marcado em quatro tempos, e a mulher pode se deslocar para frente, trás e ao redor do parceiro. O homem se aproxima e se distancia, roda em seu eixo e também se move em torno da companheira. Essa dança de casal com passos pré-determinados, que permite pequenos improvisos, exige escuta corporal intensa de ambas as partes.
Na década de 70, os bailes eram divididos em “branco” (freqüentado pela elite, com som de orquestras com 15 a 20 músicos) e “black” (acessível para pessoas de poder aquisitivo menor, com músicas variadas executadas em toca-discos de vinil). Nos bailes com orquestras, durante o intervalo, era possível dançar com som mecânico, tocado pelo primeiro DJ do Brasil, o Seu Oswaldo. O primeiro baile black aconteceu em 1972, promovido por Tony Hits, que sem mixer, sem fone de ouvido e com uma vitrola, bateu um bolão! Por isso, a atuação do DJ tem sido fundamental desde a constituição do samba-rock. Vem daí, dos sulcos dos vinis, o swing que serpenteia os corpos.
Essa é uma pequena estória de como “os dançarinos anônimos de São Paulo sambaram o rockabilly para dar nascimento ao samba-rock”, parafraseando Rodrigues. São muitos os autores. O cantor e compositor Jorge Benjor é outro deles. Disse que quando inventou “essa batida, a chamava de sacundin sacunden, depois, na época da jovem guarda, se tornou conhecida como jovem samba e, mais tarde, sambalanço“. Com tantas opções, o nome “samba-rock” foi o que ficou. Apesar disso e, por tratar de um embaralhamento entre pares, não estaria o samba-hífen-rock, depois de suas bodas-de-ouro, pronto para se assumir sambarróque?
Maíra Spanghero é escritora e pesquisadora. Doutora em Comunicação e Semiótica, professora da PUC/SP e autora do livro “A dança dos encéfalos acesos” (Itaú Cultural, 2003). É Também curadora do projeto Roda (SP) e editora da Coleção Húmus.
Fonte: idança.net
Ótimas trançadas...
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